Tânia Márcia Tomaszewski*

A leitura literária é potencializadora de novas aprendizagens. Formar leitores implica formar cidadãos críticos e atuantes. Para tanto, é necessário investir na formação de professores capazes de mobilizar as potencialidades do texto literário para além das tradicionais práticas pedagógicas.

No mês de abril temos várias datas que objetivam enaltecer a Literatura: 02 é Dia Internacional do Livro Infantil; 09 é Dia Nacional da Biblioteca; 18 é Dia Nacional do Livro Infantil; e 23 é Dia Mundial do Livro e do Direito do Autor. Diante de tantas celebrações relativas à leitura, cabe tecer algumas considerações a respeito de quanto e de que forma ela está, de fato, chegando às crianças e jovens brasileiros. Há espaço para a literatura nesse mundo digital em que vivemos? A resposta é sim, porém depende de alguns fatores e os principais são: mediação de leitura qualificada e políticas públicas de fomento à leitura.

Que as novas gerações já nascem inseridas numa cultura digital todos sabemos, mas falando especificamente de leitura, ainda há posicionamentos diversos sobre a questão de os livros perderem espaço para celulares e tablets. Há inúmeros aplicativos de leitura digital, como Bamboleio, Elefante Letrado, Árvore de Livros, Inventeca, Crianceiras, etc., que funcionam muito bem para estimular a prática da leitura. Entretanto, a possibilidade de interação com o mundo das histórias não é apenas a partir de apps. Estudos recentes mostram que os livros estão mais vivos do que nunca, como na tese de doutorado de Juliana P. S. Medeiros, “TROUXE A CHAVE?: as materialidades do livro interativo analógico na literatura de infância, um convite a abrir as portas da percepção”, cuja leitura recomendo, em que foram analisados mais de 500 livros infantis editados nos últimos anos.

Conceitos sobre livro-objeto (livro-brinquedo, livro-jogo, livro brincante, livro ilustrado ou com ilustração, livro imagem, livro de artista, livro sanfona, carrossel, pop-up, entre outros), dão conta do livro como um objeto manipulável que provoca os sentidos, nos quais o leitor participa da narrativa  por meio de  seus gestos. Ou seja, nas telas ou no papel, o convite para a leitura e para a experimentação está disponível de uma forma muito atrativa e cada vez em maior quantidade.

A 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil revelou que o percentual de leitores vem caindo na faixa etária de 11-13 anos, apesar de ainda ser maior do que na de 5-10 anos, sendo essa última a única faixa etária que apresentou aumento no número de leitores, passando de 67% (2015) para 71% (2019). É animador perceber que as crianças estão lendo mais livros de literatura. Isso pode estar acontecendo por dois motivos: a leitura está sendo colocada como um valor socialmente reconhecido e os pais estão investindo mais na formação leitora dos seus filhos ou, ainda, pela diversidade de oferta e pelas possibilidades de interação com os livros, seja de forma digital ou analógica.

Ainda segundo a pesquisa, a mediação das leituras, nessa faixa etária, fica por conta das famílias e, especialmente, dos professores que costumam utilizar essas práticas nas rotinas escolares. O conceito que aqui se toma como mediação se refere à apropriação do texto, ou, como aponta Britto (2012, p. 82) “aprender a ler e escrever significa dispor do conhecimento elaborado e poder usar deste conhecimento para participar e intervir na sociedade.”

Mediar leituras é diferente de contar histórias. Uma boa mediação exige planejamento para que o leitor, mais do que apenas ler, tenha possibilidades de interagir com o texto, intercambiando experiências vividas, conversando com o outro e com a vida. Um dos momentos mais preciosos da mediação é exatamente essa conversa que se dá a partir do que foi lido, criando pontes entre memórias reais e o repertório de leituras que os leitores já têm construído para a partir daí construir sentidos, como conclui Yolanda Reyes: “No fundo, os livros são isto: conversas sobre a vida. E é urgente, sobretudo, aprender a conversar.”

Daí a necessidade de estudo e atualização constante dos profissionais da educação para que as mediações alcancem níveis de qualidade que ultrapassem o utilitarismo da literatura, uma vez que ler para aprender algum conteúdo ou para responder perguntas sobre o que foi lido, usando o texto como pretexto, empobrece a experiência estética.

Literatura é arte, é contemplação, é conexão e compartilhamento de conversas que extrapolam o livro a partir de vivências e emoções despertadas. Ler é um ato de intervenção no e com o mundo. Uma literatura infantil potente trará diferentes camadas ou possibilidades de interpretação em que cada pessoa, criança, jovem ou adulto, que poderá acessar de maneiras diversas a cada vez que abrir aquele mesmo livro, fazendo pensar e provocando a ampliação das suas referências de mundo. Por isso, uma leitura não pode ser reduzida a atividades pedagógicas.

Não há outro jeito de fomentar a literatura nas escolas se os professores não passarem por formações periódicas em que possam discutir sobre essas questões, ampliando sua bagagem de conhecimentos a respeito das mais recentes produções teóricas sobre o assunto e, com aproximações sucessivas, alcançarem práticas que deixarão marcas nos seus estudantes, pois, de acordo com a pesquisa acima citada, os professores são os maiores responsáveis por incentivar os interesses dos estudantes pelos livros (52%).

E não menos importante, usando a famosa frase de que “só conseguimos dar aquilo que possuímos”, os professores precisam ler, frequentar feiras de livros e outros espaços onde a literatura esteja em evidência, além de conhecer como é o funcionamento do mercado editorial. Enfim, precisam “viver o mundo dos livros”! Quais e quantas universidades oferecem a literatura para as infâncias como disciplina? Poucas, embora essas poucas o façam com excelência, é preciso dar a conhecer não somente a imensa produção literária, mas as formas de ler essa literatura.

Como provocar alguém para ser um amante dos livros se eu mesmo não sou e uso todo meu tempo livre para assistir televisão, ver filmes ou vídeos, escutar música, usar a Internet, WhatsApp e redes sociais? Que espaço a literatura tem na minha vida? Como nos diz Marina Colasanti, “a leitura é contaminação amorosa”!

Quando me refiro a ler, incluo leituras literárias para adultos, leituras teóricas sobre literatura, além de muitos, muitos livros para a infância. Tudo com o objetivo de conhecer a vasta produção que temos à disposição nas bibliotecas e livrarias, dos clássicos aos contemporâneos, de maneira que possamos fazer boas escolhas pensando nas especificidades dos estudantes com os quais trabalhamos.

Para não ficar apenas num lugar de romantização de práticas de leitura literária, é necessário registrar o panorama doloroso que a literatura de um modo geral está enfrentando no Brasil, com a inexistência de políticas públicas de fomento ao livro e à leitura, ainda que tenhamos um Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL (instituído pela Portaria Interministerial nº 1.442, de 2006, e pelo Decreto nº 7.559, de 2011), além de planos estaduais e municipais. Infelizmente a educação e a cultura não têm sido prioridades para o governo federal e muitos estados e municípios têm vindo na mesma esteira, com algumas poucas exceções.

Concluindo, temos um longo caminho a percorrer no que diz respeito a tornar o Brasil um país de leitores. Somente com um investimento público na formação de professores e mediadores de leitura e no fortalecimento da cadeia do livro, por meio de políticas públicas para o livro e leitura consistentes, é que chegaremos à democratização do conhecimento. Lembrando Bartolomeu Campos de Queirós, “A função do professor é, a partir dos conhecimentos, convocar os alunos para outros passos em direção a novas realidades. O professor efetiva a fantasia como fonte criadora, o aluno torna-se um ser de participação e relação.”

* Cursando Especialização em Literatura Infantil e Juvenil UCAM/RJ

Leitura Crítica: Andrea Kluge

Referências:

BRITTO, Luiz Percival Leme. Inquietudes e desacordos: a leitura além do óbvio. Campinas: Mercado de Letras, 2012.

MEDEIROS, Juliana P. S. Trouxe a chave?: as materialidades do livro interativo analógico na literatura de infância, um convite a abrir as portas da percepção, no prelo. Disponível em: https://dspace.mackenzie.br/handle/10899/28885 

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de.  Org. Júlio Abreu. Sobre ler, escrever e outros diálogos.  São Paulo: Global, 2019.

REYES, Yolanda. Ler e brincar, tecer e cantar: Literatura, escrita e educação. São Paulo. Editora Paulo do Gato. 2012.

Retratos da leitura no Brasil: por que estamos perdendo leitores – Conheça os resultados e destaques da 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Disponível em https://www.cenpec.org.br/tematicas/retratos-da-leitura-no-brasil-por-que-estamos-perdendo-leitores

Instituto Pró-Livro – https://www.prolivro.org.br/5a-edicao-de-retratos-da-leitura-no-brasil-2/a-pesquisa-5a-edicao/

Marina Colasanti / Entrevista – https://www.marinacolasanti.com/2016/11/entrevista-para-radar-da-educacao.html

By admin

A Profs-Intelecto consiste em uma empresa de formação continuada de professores. Produz e compartilha saberes didático-pedagógicos substanciados na pedagogia contemporânea e opera na atualização e qualificação das intervenções didático-pedagógicas realizadas pelos professores, a fim de contribuir para melhoria do desempenho cognitivo dos estudantes.  A Profs-Intelecto atua nos segmentos da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, prestando consultoria e assessoria educacional para escolas públicas e privadas e ofertando atividades formativas a profissionais de ensino.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *